17 de dezembro de 2014

Gratidão


A gratidão é a mais agradável das virtudes; não é, no entanto, a mais fácil. Por que seria? Há prazeres difíceis ou raros, que nem por isso são menos agradáveis. Talvez sejam até mais. No caso da gratidão, todavia, a satisfação surpreende menos que a dificuldade. Quem não prefere receber um presente a um tapa? Agradecer a perdoar?

A gratidão é um segundo prazer, que prolonga um primeiro, como um eco de alegria à alegria sentida, como uma felicidade a mais para um mais de felicidade.

O que há de mais simples? Prazer de receber, alegria de ser alegre: gratidão. O fato de ela ser uma virtude, porém, basta para mostrar que ela não é óbvia, que podemos carecer de gratidão e que, por conseguinte, há mérito - apesar do prazer ou, talvez, por causa dele - em senti-la. Mas por quê? A gratidão é um mistério, não pelo prazer que temos com ela, mas pelo obstáculo que com ela vencemos. É a mais agradável das virtudes, e o mais virtuoso dos prazeres.

Só se agradece para se ter mais (diz-se "obrigado", pensa-se "mais"!). Não é gratidão, é lisonja, obsequiosidade, mentira. Não é virtude, é vício. Aliás, mesmo sincero, o reconhecimento não poderia nos dispensar de nenhuma outra virtude, nem justificar qualquer falta que fosse. Virtude segunda, se não secundária, que cumpre manter em seu devido lugar: a justiça ou a boa-fé podem autorizar uma falta com a gratidão, mas não a gratidão uma falta com a justiça ou a boa-fé. Ele me salvou a vida: devo, por isso, impor-me um falso testemunho em seu favor e com isso condenar um inocente? Claro que não! Não esquecer não é ser ingrato, pelo que devemos a determinado indivíduo, o que devemos a todos os demais e a nós mesmos.

Não é ingrato, escreve Spinoza, "aquele que os dons de uma cortesã não transformam em instrumento dócil de sua lubricidade, os de um ladrão num receptador de seus roubos, ou qualquer outra coisa semelhante. Pois esse, ao contrário, mostra que é dotado de constância de alma, que não se deixa corromper por nenhum presente, seja para sua própria perda, seja para a perda comum." Gratidão não é complacência. Gratidão não é corrupção.

A gratidão é alegria, repitamos, a gratidão é amor. É por isso que ela se aproxima da caridade, que seria como "uma gratidão incoativa, uma gratidão sem causa, uma gratidão incondicional, assim como a gratidão é uma caridade segunda ou hipotética".

Alegria somada à alegria: amor somado a amor. A gratidão é nisso o segredo da amizade, não pelo sentimento de uma dívida, pois nada se deve aos amigos, mas por superabundância de alegria comum, de alegria recíproca, de alegria partilhada. "A amizade conduz sua dança ao redor do mundo", dizia Epicuro, "convidando todos nós a despertar para dar graças." Obrigado por existir, dizem um ao outro, e ao mundo, e ao universo. Essa gratidão é de fato uma virtude, pois é a felicidade de amar, e a única.


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