4 de dezembro de 2014


Tolerância


“Julgar que há o que seja intolerável é sempre dar prova de intolerância?” Ou então, numa forma diferente: “Ser tolerante é tolerar tudo?” A resposta, nos dois casos, é evidentemente não, pelo menos se quisermos que a tolerância seja uma virtude. Deveríamos considerar virtuoso quem tolerasse o estupro, a tortura, o assassinato? Quem veria, nessa tolerância do pior, uma disposição estimável? Mas, embora a resposta só possa ser negativa, a argumentação não deixa de colocar um certo número de problemas, que são de definições e de limites, e que podem ocupar suficientemente nossos secundaristas, imagino, durante as quatro horas da prova.

Ao contrário do amor ou da generosidade, que não têm limites intrínsecos nem outra finitude além da nossa, a tolerância é, pois, essencialmente limitada: uma tolerância infinita seria o fim da tolerância! Não dar liberdade aos inimigos da liberdade? Não é tão simples assim. Uma virtude não poderia se isolar na intersubjetividade virtuosa: aquele que só é justo com os justos, generoso com os generosos, misericordioso com os misericordiosos, etc., não é nem justo nem generoso nem misericordioso.

Tampouco é tolerante aquele que só o é com os tolerantes. Se a tolerância é uma virtude, como acredito e como geralmente se aceita, ela vale por si mesma, inclusive para com os que não a praticam. A moral não é nem um mercado nem um espelho. É verdade, claro, que os intolerantes não teriam nenhum motivo para queixar-se de que se é intolerante para com eles. Mas onde já se viu uma virtude depender do ponto de vista dos que não a têm? O justo deve ser guiado "pelos princípios da justiça, e não pelo fato de que o injusto não pode se queixar". Do mesmo modo, o tolerante, pelos princípios da tolerância.

Assim como democracia não é fraqueza. Tolerância não é passividade. Podemos nos indagar, para concluir, se esta palavra - tolerância - é de fato a que nos convém: há nela algo de condescendente, se não de desdenhoso, que incomoda. Lembrem-se da boutade de Claudel: "Tolerância? Há casas para isso!" Isso diz muito sobre Claudel e sobre a tolerância. Tolerar as opiniões do outro acaso já não é considerá-las inferiores ou incorretas? A rigor, só podemos tolerar aquilo que teríamos o direito de impedir: se as opiniões são livres, como devem ser, não dependem pois da tolerância!

Dizia Émile Boutroux: "Não gosto dessa palavra, tolerância; falemos de respeito, de simpatia, de amor..." A palavra tolerância só nos incomoda porque - por uma vez! - não antecipa, ou não antecipa muito, o que somos.

"Virtude menor", dizia Jankélévitch. Porque ela se assemelha a nós. "Tolerar não é, evidentemente, um ideal", já notava Abauzit, "não é um máximo, é um mínimo." Claro, mas é melhor que nada ou que seu contrário! É evidente que mais valem o respeito ou o amor. Se a palavra tolerância se impôs, entretanto, é sem dúvida porque de amor ou de respeito todos se sentem muito pouco capazes, em se tratando de seus adversários - ora, é em relação a eles, primeiramente, que a tolerância age... "Esperando o belo dia em que a tolerância se incline ao amor", conclui Jankélévitch, "diremos que a tolerância, a prosaica tolerância é aquilo que melhor podemos fazer!


A tolerância - por menos exaltante que seja esta palavra - é, pois, uma solução passável; à espera de melhor, isto é, à espera de que os homens possam se amar, ou simplesmente se conhecer e se compreender, demo-nos por felizes com que eles comecem a se suportar. A tolerância é, pois, um momento provisório." Que esse provisório é feito para durar, que claro.  Se ele cessasse, seria de se temer que a barbárie, em vez do amor, lhe sucedesse! Pequena virtude, também ela, a tolerância talvez desempenhe, na vida coletiva, o mesmo papel da polidez na vida interpessoal: é apenas um começo, mas o é.

Sem contar que às vezes é necessário tolerar o que não se quer nem respeitar nem amar. O irrespeito nem sempre é uma falta, longe disso, e certos ódios estão bem próximos de ser virtudes. Há, o intolerável como vimos, que cumpre combater. Mas há também o tolerável, que é contudo desprezível e detestável. A tolerância diz tudo isso, ou pelo menos o autoriza. Essa pequena virtude nos convém: ela está a nosso alcance, o que não é tão freqüente, e alguns de nossos adversários, parece-nos, não merecem muito mais.

Como a simplicidade é a virtude dos sábios e a sabedoria, dos santos, assim a tolerância é sabedoria e virtude para aqueles que - todos nós - não são nem uma coisa nem outra. Pequena virtude, mas necessária. Pequena sabedoria, mas acessível.

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