Humildade
A humildade é uma virtude humilde:
ela até duvida que seja uma virtude! Quem se gabasse da sua mostraria
simplesmente que ela lhe falta.
“A humildade”, escreve Spinoza, “é
uma tristeza nascida do fato de o homem considerar sua impotência ou sua
fraqueza.” Essa humildade é menos uma virtude do que um estado: é um afeto, diz
Spinoza, em outras palavras, um estado de alma. Se alguém imagina sua própria
impotência, sua alma “se entristece por isso mesmo”. É a experiência de nós
todos, e seria enganoso fazer dela uma força. Ora, a virtude, para Spinoza, não
é outra coisa: virtude é força de alma, e sempre alegre! A humildade, portanto,
não é uma virtude, e o sábio não tem por que se preocupar com ela.
A humildade, como virtude, é essa
tristeza verdadeira de sermos apenas nós. E como poderíamos ser outra coisa? A
misericórdia também vale para nós mesmos, temperando a humildade com um pouco
de doçura. Que é necessário contentar-se consigo, é o que ensina a
misericórdia. Mas sentir-se contente consigo, quem poderia, sem vaidade?
Misericórdia e humildade vão de par e se completam. Aceitar-se - mas não se
iludir.
"O contentamento de si",
escreve Spinoza, "é na realidade o objeto supremo de nossa
esperança." Digamos que a humildade é seu desespero, e tudo estará dito.
Tudo? Ainda não, porém. Pode até ser que o essencial não tenha sido abordado. O
essencial? O valor da humildade. Virtude, disse eu. Mas de que importância? De que
nível? De que dignidade?
Vê-se o problema: se a humildade é
digna de respeito ou de admiração, não é um erro ela ser humilde? E se ela
tiver razão de o ser, como se teria razão de admirá-la? Parece que a humildade
é uma virtude contraditória, que só poderia justificar-se por sua própria
ausência, ou só valer à sua custa.
Em seu capítulo sobre a humildade,
Jankélévitch observa com razão que "os gregos quase não conheceram esta
virtude". Talvez seja por não se terem dado um Deus suficientemente grande
para que a pequenez do homem aparecesse como deveria? Não é certo, entretanto,
que eles tenham se enganado sempre acerca da sua grandeza (Jankélévitch se
engana, me parece, como Pascal, sobre o "orgulho estóico": também há
uma humildade em Epicteto, pela qual o ego sabe não ser Deus, e não ser nada);
mas talvez eles tivessem menos narcisismo a combater, ou menos ilusões a
dissipar.
O fato é
que esse Deus (o nosso: o dos judeus, dos cristãos e dos muçulmanos), quer se
creia nele ou não, é agora, para todos, por diferença, uma terrível lição de
humildade. Os antigos se definiam como mortais: apenas a morte, pensavam eles,
os separava do divino. Não estamos mais nesse ponto e sabemos agora que mesmo a
imortalidade seria incapaz (e por isso, sem dúvida, insuportável) de fazer de
nós outra coisa, infelizmente, que não o que somos... Quem às vezes não aspira
a morrer, para ser libertado de si?